Mons. Athanasius SCHNEIDER
15 de janeiro de 2012
(em “L’Homme Nouveau”, n° 1511 de 11.2.2012)
(traduzido em português de Portugal)
Para
falar correctamente da nova evangelização, é indispensável lançar
primeiro o nosso olhar sobre Aquele que é o verdadeiro Evangelizador,
isto é, Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, o Verbo de Deus feito
Homem.
O Filho de Deus veio a esta Terra para espiar e resgatar o maior pecado, o pecado por excelência. E este pecado, por excelência, da humanidade consiste na sua rejeição de adorar a Deus, na sua rejeição de Lhe reservar o primeiro lugar, o lugar de honra. Este pecado dos homens consiste no facto de se não prestar já atenção a Deus, no facto de se não ter já o verdadeiro sentido das coisas, isto é, nos pormenores ou pontos de vista que elevam ou nobilitam Deus e a adoração que Lhe é devida, no facto de se não querer já ver Deus, no facto de se não querer já ajoelhar diante d’Ele.
Perante
uma tal atitude, a Incarnação de Deus é incômoda ou embaraçosa, como
embaraçosa é também, por conseqüência, a presença real de Jesus no
mistério Eucarístico, e embaraçosa é também a centralidade da presença
Eucarística de Deus nas igrejas. Com efeito, o homem pecador quer pôr-se
no centro, tanto no interior da igreja como na celebração Eucarística:
quer ser visto, quer ser notado. E é esta a razão pela qual Jesus
Eucaristia, Deus Incarnado, presente no Sacrário sob a forma
eucarística, se prefere colocar de lado. A própria representação do
Crucificado, na Cruz, ao centro do altar, na celebração virada para o
povo é embaraçosa, porque então, o rosto do sacerdote passaria a ficar
ocultado. Por conseguinte, a imagem do Crucificado, no centro, tal como
Jesus Eucaristia, no Sacrário, igualmente no centro, são embaraçosos ou
incômodos.
E
deste modo, a Cruz e o Sacrário são pura e simplesmente postos de lado.
Durante o Ofício, os assistentes devem poder ver ou observar
permanentemente o rosto do sacerdote e este tem todo o prazer em se
colocar literalmente no centro da Casa de Deus. E se por acaso Jesus
Eucaristia é mantido no seu Sacrário, no centro do altar, porque o
Ministério dos Monumentos Nacionais, mesmo sob um regime ateu, proibiu,
por razões de simples conservação do patrimônio artístico, deslocá-Lo, o
sacerdote, muitas vezes, ao longo de toda a celebração litúrgica,
volta-Lhe às costas sem escrúpulo algum.
JESUS NO CENTRO
Quantas
vezes, maravilhados, os fiéis adoradores de Cristo, na sua simplicidade
e humildade se terão visto a clamar: “Abençoados sejais vós, os
Monumentos Nacionais! Vós mesmos, pelo menos, nos tereis deixado Jesus
no centro da nossa igreja.”
Só
a partir da adoração e da glorificação de Deus e dá Igreja se poderá
anunciar, de uma forma adequada, a Palavra da Verdade, isto é,
evangelizar. Antes que o mundo ouvisse Jesus, o Verbo eterno feito
carne, pregar e anunciar o Reino, Jesus calou-se e adorou durante trinta
anos. E isso mesmo fica sendo para sempre a lei da vida e acção da
Igreja, assim como a de todos os evangelizadores.
“É
na forma de tratar a liturgia que se decide a sorte da fé e da Igreja”,
afirmou o Cardeal Ratzinger, nosso actual Santo Padre, o Papa Bento
XVI. O Concílio Vaticano II, quis lembrar a Igreja que realidade e acção
deveriam tomar o primeiro lugar na sua vida. E foi justamente para isso
que o primeiro documento conciliar foi consagrado à Liturgia. A
respeito disso, o Concílio dá-nos os seguintes princípios:
Na
Igreja, e por conseguinte na Liturgia, o humano se deve ordenar ao
divino, o visível ao invisível, a acção à contemplação e o presente à
Cidade futura a que todos nós aspiramos (cf. Sacrosanctum Concilium, n.
2).
Por
isso, tudo, na Liturgia da Santa Missa, deve servir para que se exprima
da mais nítida forma, a realidade do Sacrifício de Cristo, isto é, as
orações de adoração, de acção de graças, de expiação, de petição, que o
Eterno Sumo Sacerdote apresentou a Seu Pai.
UM CÍRCULO ABERTO
O
rito e todos os pormenores ou detalhes do Santo Sacrifício da Missa
devem estar orientados no sentido da glorificação e da adoração de Deus,
insistindo-se, sobretudo, na centralidade da Presença de Cristo, quer
no sinal e na representação do Crucificado, quer na Presença Eucarística
no Sacrário, e sobretudo, no momento da Consagração e da Sagrada
Comunhão. Quanto mais isto mesmo for respeitado, tanto menos o homem se
coloca no centro da celebração, tanto menos a celebração se assemelha a
um círculo fechado, mas sim pelo contrário está aberto, mesmo de uma
forma exterior, para Cristo, como numa verdadeira procissão que se
dirige para Ele, com o sacerdote à cabeça; e quanto mais uma celebração
litúrgica reflectir, de uma forma verdadeira, o sacrifício de adoração
de Cristo na cruz, tanto mais ricos serão os frutos que os participantes
irão receber na sua alma, que vêm da glorificação de Deus, tanto mais o
próprio Deus os honrará.
Quanto mais o
sacerdote e os fiéis procurarem em verdade, nas celebrações
Eucarísticas, a glória de Deus e não a glória dos homens, e não
procurarem receber a glória uns dos outros, tanto mais Deus os honrará,
deixando, então, que a sua alma participe, de uma forma bem mais intensa
e mais fértil, na glória e na honra de Sua vida divina.
Na
hora actual e em diversos lugares da Terra, muitas são as celebrações
da Santa Missa, em que se poderia dizer a seu respeito as palavras
seguintes, invertendo deste modo as palavras do Salmo 113 B, versículo
1: “A nós, ó Senhor, e a nosso nome, dai glória” e por outro lado, o
propósito de tais celebrações se aplicam as palavras de Jesus: “Como
podeis acreditar, vós que tirais a glória uns dos outros e não buscais a
glória que vem de Deus?” (Jo. 5, 44). O Concílio Vaticano II emitiu, a
respeito de uma reforma litúrgica, os princípios seguintes:
1
– O humano, o temporal, a actividade devem, durante a celebração
litúrgica, orientar-se pelo divino, pelo eterno, pela contemplação, e
ter um papel subordinado, relativamente a estes últimos (cf.
Sacrosanctum Concilium, n. 21).
2
– Durante a celebração litúrgica, dever-se-á encorajar ou estimular a
tomada de consciência de que a liturgia terrestre participa da liturgia
celeste (cf. Sacrosanctum Concilium, n. 8).
3
- Não deve haver nela absolutamente nenhuma inovação e, por
conseguinte, nenhuma criação nova de ritos litúrgicos, sobretudo no rito
da Missa, a não ser que seja para um proveito verdadeiro e certo a
favor da Igreja e sob a condição de que se proceda com prudência e de
que eventualmente formas novas substituam formas já existentes de
maneira orgânica (cf. Sacrosanctum Concilium, n. 23).
4
– Os ritos da Missa devem ser de tal forma, que o sagrado seja expresso
mais explicitamente (cf. Sacrosanctum Concilium, n. 21) .
5 – O latim deve ser conservado na liturgia, e sobretudo na Santa Missa (cf. Sacrosanctum Concilium, n.os 36 e 54).
6 – O canto gregoriano tem o primeiro lugar na liturgia (cf. Sacrosanctum Concilium, n. 116).
Os
Padres conciliares viam as suas propostas de reforma como a continuação
da reforma de São Pio X (cf. Sacrosanctum Concilium, n. os 112 e 117) e
do servo de Deus Pio XII, e com efeito, na constituição litúrgica, é a
encíclica Mediator Dei do Papa Pio XII que mais é citada.
O
Papa Pio XII deixou à Igreja, entre outros, um princípio importante da
doutrina sobre a santa liturgia, isto é, a condenação daquilo que se
chama o arqueologismo litúrgico, cujas propostas coincidiam largamente
com as do sínodo jansenista e protestantizante de Pistóia, de 1786 (cf.
Mediator Dei, n. os 63 e 64). E que de facto lembra os pensamentos
teológicos de Martinho Lutero.
UM SACRIFÍCIO E NÃO UM BANQUETE
Eis
porque já o Concílio de Trento condenou as idéias litúrgicas
protestantes, notavelmente a acentuação exagerada da noção de banquete
na celebração Eucarística em detrimento do carácter sacrificial, a
supressão dos sinais unívocos de sacralidade como expressão do mistério
da liturgia (cf. Concílio de Trento, seção XXII).
As
declarações litúrgicas doutrinais do magistério, como neste caso do
Concílio de Trento e da Encíclica Mediator Dei, que se reflectem numa
práxis litúrgica secular, isto é, de mais de um milênio, constante e
universal, estas declarações, por conseguinte, fazem parte deste
elemento da santa Tradição que se não pode abandonar, sem correr graves
riscos no plano espiritual.
Estas
declarações doutrinais sobre a liturgia, retomou-as o Vaticano II, como
se pode constatar ao ler os princípios do culto divino na constituição
litúrgica Sacrosanctum Concilium.
Como
erro concreto no pensamento e agir do arqueologismo litúrgico, o Papa
Pio XII cita a proposta feita de dar ao altar a forma de uma mesa (cf.
Mediator Dei, n. 62). Se já o Papa Pio XII recusava o altar com uma
forma de mesa, imagine-se como ele teria a fortiori, com maior força de
razão rejeitado a proposta de uma celebração como ao redor de uma mesa
“versus populum” (virada para o povo)!
Se
o Sacrosanctum Concilium ensina no n. 2 que, na liturgia, a
contemplação deve ter a prioridade e que toda a celebração da Santa
Missa deve ser orientada para os mistérios celestes (cf. itens n. os 2 e
8), nele se encontra um eco fiel da seguinte declaração do Concílio de
Trento que dizia:
“uma
vez que a natureza do homem está feita de tal modo, que se não deixa
facilmente erguer para a contemplação das coisas divinas sem ajudas
exteriores, a Mãe Igreja, na sua benevolência, introduziu ritos
preciosos; e recorreu, apoiando-se no ensinamento apostólico e na
tradição, as cerimônias tais como bênçãos cheias de mistérios, velas ou
círios, incenso, vestes litúrgicas e muitas outras coisas; tudo isso
deveria incitar os espíritos dos fiéis, graças a sinais visíveis da
religião e da piedade, à contemplação das coisas sublimes.” (Sessão
XXII, cap. 5)
Os
ensinamentos citados do magistério da Igreja, e sobretudo o da Mediator
Dei , foram sem dúvida alguma reconhecidos pelos Padres conciliares
como plenamente válidos; por conseguinte, eles mesmos devem continuar
hoje ainda a ser plenamente válidos para todos os filhos da Igreja.
Na
sua carta dirigida a todos os bispos da Igreja católica, que Bento XVI
juntou ao motu próprio Summorum Pontificum de 7 de julho de 2007, o Papa
faz esta declaração importante: “Na história da liturgia, há
crescimento e progresso, mas não ruptura. Aquilo que foi sagrado para as
gerações passadas, deve permanecer sagrado e grande para nós.”
Dizendo
isto, o Papa exprime o princípio fundamental da liturgia que o Concílio
de Trento, o Papa Pio XII e o Concílio Vaticano II ensinaram.
PRINCÍPIOS NÃO SEGUIDOS
Se
olharmos agora, sem preconceitos e de uma forma objectiva, para a
prática litúrgica da esmagadora maioria das Igrejas em todo o mundo
católico, em que a forma ordinária do rito romano está em uso, com toda a
honestidade, ninguém poderá negar que os seis princípios litúrgicos
mencionados pelo Concílio Vaticano II não são respeitados ou apenas o
serão bem pouco; muito embora se declare, erroneamente, que essa prática
da liturgia foi sonhada pelo Vaticano II.
Há
um certo número de aspectos concretos, na prática dominante actual, no
rito ordinário que representam uma verdadeira ruptura ou contradição com
uma prática litúrgica constante, desde há mais de um milênio. Trata-se
dos seguintes usos litúrgicos, que bem se poderão designar como sendo AS
CINCO CHAGAS DO CORPO MÍSTICO LITÚRGICO DE CRISTO.
Trata-se
de chagas, porque elas representam uma violenta ruptura com o passado;
porque na realidade elas põem um bem menor acento no carácter
sacrificial, que entretanto é extraordinariamente belo e que é
justamente o carácter central e essencial da Santa Missa, e sublinham
acima de tudo a idéia de banquete. E tudo isso diminui os sinais
exteriores da adoração divina, porque põem em muito menor relevo o
carácter do mistério, naquilo que ele tem de celeste e eterno.
Quanto
às cinco chagas, trata-se daquelas que, com excepção de uma delas (as
novas orações do ofertório), não estão previstas na forma ordinária do
rito da Santa Missa, mas foram INTRODUZIDAS PELA PRÁTICA DE UM MODO BEM
DEPLORÁVEL.
1
– A primeira chaga e a mais evidente é a celebração do Santo Sacrifício
da Missa, em que o sacerdote celebra virado para os fiéis,
particularmente na Oração Eucarística e na Consagração, o momento mais
alto e o mais sagrado da adoração que é devida a Deus. Esta forma ou
posição exterior corresponde mais, pela sua natureza, à forma de que se
faz uso no momento em que se partilha uma refeição. Estamos, pois, na
presença de um círculo fechado. Ora, esta forma, não está de modo algum
conforme com o momento da oração, e muito menos ainda com o da adoração.
Esta forma, de modo algum foi sequer sonhada ou desejada e jamais foi
recomendada pelo magistério dos Papas postconciliares. O Papa Bento XVI
escreve, no seu prefácio ao primeiro tomo das suas obras completas:
“A
idéia de que o sacerdote e a assembléia devem estar a olhar-se no
momento da oração nasceu entre os modernos e é absolutamente estranha à
cristandade tradicional. O sacerdote e a assembléia não se dirigem
mutuamente uma oração, mas é ao Senhor que ambos se dirigem, eis porque,
na oração, eles mesmos devem olhar na mesma direcção: ou para o
Oriente, como sendo esta direção o símbolo cósmico do regresso do
Senhor, ou então, onde isto não seja possível, para uma imagem de Cristo
situada na ábside, para uma cruz ou muito simplesmente para o alto.”
VIRADOS PARA O SENHOR
A
forma da celebração em que todos dirigem o seu olhar para a mesma
direcção (conversi ad orientem, ad Crucem, ad Dominum – virados para o
Oriente, para a Cruz, para o Senhor) é até mesmo evocada pelas rubricas
do novo rito da Missa (cf. Ordo Missae, n. 25, nn 133 e 134). A
celebração que se chama “versus populum” (virado para o povo) não
corresponde evidentemente à dieia da santa liturgia, tal como ela é
mencionada nas declarações do documento do Vaticano II (Sacrosanctum
Concilium n. 2 e 8).
2 – A segunda chaga é a comunhão na mão, espalhada praticamente em toda a parte, no mundo.
A
segunda chaga é a comunhão na mão, espalhada praticamente em toda a
parte, no mundo. Não só esta forma de receber a comunhão não foi evocada
ou citada de modo algum pelos Padres conciliares do Vaticano II, mas
também é tristemente introduzida por um certo número de bispos em
claríssima desobediência à Santa Sé, e no desprezo do voto negativo, em
1968, da maioria do corpo episcopal. Só depois o Papa Paulo VI a
legitimou sob condições particulares, e bem contra a sua própria
vontade.
O
Papa Bento XVI, depois da festa do Santíssimo Sacramento de 2008, não
mais distribuiu a Comunhão senão a fiéis de joelhos e na língua,
exigindo sempre a chamada “mesa da comunhão”, e não apenas em Roma, mas
também em todas as igrejas locais que visita. Com esta atitude, ele
mesmo dá a toda a Igreja, um claro exemplo do magistério prático em
matéria litúrgica. Se a maioria qualificada do corpo episcopal, três
anos depois do Concílio, rejeitou ou recusou a Comunhão na mão, como
algo de nocivo ou prejudicial, quanto mais os Padres conciliares o
teriam igualmente feito!
3 – A terceira Chaga são as novas orações do Ofertório.
Elas
são uma criação inteiramente nova e jamais foram usadas na Igreja.
Estas orações exprimem muito menos a evocação do mistério do Sacrifício
da Cruz, que a de um banquete, que lembra as orações da refeição
sabática dos Judeus. Na tradição mais que milenária da Igreja, tanto do
Oriente como do Ocidente, as orações do Ofertório tem sempre sido
orientadas expressamente no sentido do mistério do Sacrifício da Cruz
(cf. p. ex. Paul Tirot, História das orações do ofertório, na liturgia
romana, do século VII ao século XVI, Roma, C.L.V., 1985).
Uma
tal criação absolutamente nova está sem dúvida alguma em contradição
com a formulação bem clara do Vaticano II que lembra: “Finalmente, não
se introduzam inovações, a não ser que uma utilidade autêntica e certa
da Igreja o exija, e com a preocupação de que as novas formas como que
surjam a partir das já existentes” (Sacrosanctum Concilium, n. 23).
4
– A quarta chaga é o desaparecimento total do latim e do canto
gregoriano, na imensa maioria das celebrações Eucarísticas de forma
ordinária, na totalidade dos países católicos.
Está nisso uma infracção directa contra as decisões do Vaticano II.
5
– A quinta Chaga é o exercício dos serviços litúrgicos de Leitor e de
Acólito por mulheres, assim como o exercício destes mesmos serviços em
hábito civil, penetrando assim no coro durante a Santa Missa, vindos
directamente do espaço reservado aos fiéis.
Este
costume jamais existiu na Igreja ou, pelo menos, nunca foi bem-vindo.
Um tal costume confere à celebração da Santa Missa católica o carácter
exterior de algo informal, o carácter e o estilo de uma assembléia, mais
profana que religiosa. O segundo concílio de Niceia já proibia, em 787,
tais práticas, editando este cânone: “Se alguém não está ordenado, não
lhe é permitido fazer a leitura do ambão, durante a santa liturgia.”
(can 14)
Esta
norma foi constantemente respeitada na Igreja. Só o subdiáconos ou os
leitores tinham o direito de fazer a leitura durante e liturgia da
Missa. Em substituição do subdiáconos e leitores ou acólitos que viessem
a faltar, só homens ou jovens moços de hábitos litúrgicos as poderiam
fazer, e não mulheres, uma vez reconhecido que o sexo masculino, no
plano da ordenação não sacramental dos leitores e acólitos representa
simbolicamente a última ligação com as ordens menores.
Nos
textos do Vaticano II, não é feita de modo algum qualquer menção da
supressão das ordens menores e do subdiaconado, nem da introdução de
novos ministérios. Na Sacrosanctum Concilium n.28, o Concílio faz a
diferença entre minister e fidelis durante a celebração litúrgica e
estipula ou determina que um e outro tenham direito de não fazer senão
aquilo que lhes compete segundo a natureza da liturgia. O n. 29 menciona
os “ministrantes”, isto é, os servos do altar que não receberam nenhuma
ordenação. Em oposição a esses “ministrantes”, haveria, segundo os
termos jurídicos da época, os “ministros”, isto é, aqueles que receberam
uma ordem, quer maior, quer menor.
UM APELO A UM ESPÍRITO MAIS SAGRADO
Pelo
motu próprio “Summorum Pontificum”, o Papa Bento XVI estipula ou
determina que as duas formas de rito romano são de considerar e de
tratar com o mesmo respeito, porque a Igreja continua a ser a mesma
antes e depois do Concílio. Na carta que acompanhou o motu próprio, o
Papa deseja que as duas formas se enriqueçam mutuamente. Além disso,
deseja que na nova forma “se verifique, mais do que tem acontecido até
ao presente, o sentido do sagrado, que acaba por atrair muitíssimas
pessoas para o rito antigo.”
As
quatro chagas litúrgicas ou infelizes práticas (celebração virada para o
povo (versus populum), comunhão na mão, abandono total do latim e do
canto gregoriano e intervenção das mulheres no serviço da leitura e no
de acólitos), não tem em si mesmas nada a ver com a forma ordinária da
missa e estão ainda mais em contradição com os princípios litúrgicos do
Vaticano II. Se se pusesse termo a estas práticas, voltaríamos ao
verdadeiro ensinamento litúrgico do Vaticano II. E nesse momento, as
duas formas do rito romano se viriam então a aproximar muitíssimo, de
forma que, pelo menos exteriormente, em nada teríamos que reconhecer
ruptura alguma entre essas duas formas e, por esse motivo, não haveria
ruptura alguma entre a Igreja antes do Concílio e a Igreja depois do
mesmo Concílio.
Naquilo
que se relaciona com as novas orações do Ofertório, seria desejável que
a Santa Sé a substituísse pelas orações correspondentes da forma
extraordinária ou, pelo menos, que permitisse a sua utilização ad
libtum. E deste modo, seria evitada a ruptura entre as duas formas, não
apenas exteriormente, mas também interiormente.
A
ruptura na liturgia é justamente aquilo que a maioria dos Padres
conciliares jamais quis; e testemunham-no muitíssimo bem as Actas do
Concílio, porque nos dois mil anos de história da Liturgia na Santa
Igreja, jamais houve ruptura litúrgica e, por conseguinte, jamais a deve
haver agora. Pelo contrário, deve haver nela uma continuidade, como
convém que o seja para o próprio magistério. As cinco chagas no corpo
litúrgico da Igreja aqui evocadas ou indicadas reclamam ou exigem uma
verdadeira cura. Elas mesmas representam uma ruptura semelhante à do
exílio de Avinhão.
A
situação de uma tão nítida ruptura numa expressão da vida da Igreja,
que está bem longe de ser sem importância (outrora, a ausência dos papas
da cidade de Roma; hoje, a ruptura visível entre a liturgia de antes e
de depois do Concílio), e, por conseguinte, esta situação exige cura.
Eis
porque se tem hoje necessidade de novos santos, de uma ou de mais
Santas Catarinas de Sena(2. Tem-se necessidade da “Vox populi fidelis”
(voz do povo fiel) a reclamar a supressão ou desaparecimento desta
ruptura litúrgica. Mas o trágico da história é que hoje, como outrora,
no tempo do exílio de Avinhão, uma grande maioria do clero, sobretudo do
alto clero, se satisfaz com este exílio, com esta ruptura. Antes que se
possam esperar frutos eficazes e duradoiros da nova evangelização, é
necessário primeiro que se instaure no interior da Igreja um processo de
verdadeira conversão. Como poderemos nós chamar ou convidar os outros a
converter-se enquanto entre aqueles que fazem este mesmo convite se não
realizou ainda nenhuma conversão convincente para Deus, porque, na
liturgia, eles mesmos se não viraram suficientemente para Deus, tanto
interior como exteriormente? Celebra-se o Santo Sacrifício de Cristo, o
maior mistério da fé, o acto de adoração mais sublime, num círculo
fechado, olhando-se uns para os outros.
(2)
Santa Catarina de Sena foi célebre nas suas famosas e bem determinantes
cartas enviadas ao Papa, nesse tempo a viver em Avinhão e não em Roma,
declarando-lhe o seu indiscutível dever de viver em Roma e não em
Avinhão. Graças a Deus, a biblioteca desta nossa Fraternidade tem a
oportunidade de possuir e conhecer muito bem estas famosas cartas e
variados escritos espirituais de S. Catarina de Sena. (n.d.t.p.)
A CONVERSÃO PARA DEUS “CONVERSIO AD DOMINUM”
Falta
a “Conversio ad Dominum” necessária, mesmo exteriormente, fisicamente.
Uma vez que durante a liturgia se trata Cristo como se não fosse Deus, e
que se lhe não manifestam sinais exteriores claros de uma adoração
devida só a Deus, pelo facto de os fiéis receberem a Sagrada Comunhão de
pé e, mais ainda, tomarem a Hóstia Consagrada nas suas mãos, como se
tratasse de um ordinário alimento, agarrando-o com os dedos e metendo-o
eles mesmos na boca. Há nisto o perigo de uma espécie de arianismo ou de
um semiarianismo eucarístico. Uma das condições necessárias de uma
frutuosa nova evangelização seria o testemunho seguido por toda a Igreja
no plano de culto litúrgico público, que observasse pelo menos estes
dois aspectos de culto divino, isto é:
1
– Que em toda a terra, a Santa Missa fosse celebrada mesmo na forma
ordinária, com a “Conversio ad Dominum” interiormente e também de um
modo necessário exteriormente. Virados para Deus e não para o povo
(versus Deum e não versus populum).
2 - E que os
fiéis dobrassem o joelho diante de Cristo, no momento da Sagrada
Comunhão, como o próprio São Paulo o pede, ao invocar o Nome e a Pessoa
de Cristo (Fil. 2, 10); e que os mesmos fiéis O recebessem com o maior
amor e o maior respeito possível, como aliás Lhe convém, como verdadeiro
Deus que é. Deus seja louvado pelo Papa Bento XVI, que encetou ou
iniciou, com duas medidas concretas, o processo do regresso do exílio
avinhonês litúrgico (exílio litúrgico de Avinhão), isto é, pelo motu
próprio Summorum Pontificum e pela reintrodução do rito da comunhão
tradicional (de joelhos e na boca).
Há
ainda necessidade de muitas orações e talvez de uma nova Catarina de
Sena, a fim de que se realizem todos os outros passos, de forma a curar
as cinco chagas do Corpo Litúrgico e Místico da Igreja e que Deus seja
venerado na liturgia com esse amor, com esse respeito, com esse sentido
do sublime, que foram sempre as características da Igreja e do seu
Ensinamento, notavelmente através do Concílio de Trento, do Papa Pio
XII, na sua encíclica Mediator Dei, do Concílio Vaticano II, na sua
constituição Sacrosanctum Concilium e do Papa Bento XVI, na sua teologia
da Liturgia, no seu magistério litúrgico prático e no motu próprio já
citado.
Ninguém
poderá evangelizar, se não tiver primeiro adorado, e mesmo se não
adorar permanentemente e não der a Deus, a Cristo Eucaristia, a
verdadeira prioridade, na forma de celebrar e em toda a sua vida. Com
efeito, para retomar as palavras do próprio Cardeal Joseph Ratzinger: “É
na forma de tratar a liturgia que se decide a sorte ou destino da fé e
da Igreja.