Três
acusações absurdas que frequentemente encontramos em (péssimas) aulas
de história (A Igreja Católica vendia lugares no Céu; A Igreja Católica
apoiou a escravidão no Brasil; A Igreja Católica matou milhares de
judeus na Inquisição espanhola), e suas respostas.
É claro que não!
Para que possamos compreender como
responder a esta absurda acusação, é necessário que compreendamos a
doutrina das Indulgências.
"O pecado tem uma dupla consequência. O pecado grave priva-nos da comunhão com Deus e, consequentemente, nos torna incapazes da vida eterna; esta privação se chama 'pena eterna' do pecado. Por outro lado, todo pecado, mesmo o venial, acarreta um apego prejudicial às criaturas que exige purificação, quer aqui na terra, quer depois da morte, no estado chamado purgatório. Esta purificação liberta da chamada ''pena temporal' do pecado. Estas duas penas não devem ser concebidas como uma espécie de vingança infligida por Deus do exterior, mas antes como uma consequência da própria natureza do pecado. Uma conversão que procede de uma ardente caridade pode chegar à total purificação do pecador, não subsistindo mais nenhuma pena. O perdão do pecado e a restauração da comunhão com Deus implicam a remissão das penas eternas do pecado. O cristão deve esforçar-se, suportando pacientemente os sofrimentos e as provas de todo tipo e, chegada a hora de enfrentar serenamente a morte, aceitar como uma graça essas penas temporais do pecado; deve aplicar-se, através de obras de misericórdia e caridade, como também pela oração e diversas práticas de penitência, a despojar-se completamente do 'velho homem' para revestir-se do 'homem novo". (Novo Catecismo da Igreja Católica, parágrafos 1472 e 1473)
A pena eterna do pecado nos é perdoada
pelo Sacramento da Reconciliação (Confissão). Quando recebemos a
absolvição sacerdotal, temos perdoadas a pena eterna, mas não a
temporal. Afinal, Jesus disse que devemos "pagar até o último centavo"
(Mt 5,26).
A remissão da pena temporal pode ser feita pela caridade, oração e penitência.
Um costume muito antigo na
Igreja é o das penitências públicas; o penitente, desejoso de pagar a
pena temporal de seu pecado, após a absolvição sacerdotal ia para a rua
para publicamente pagar por seu pecado.
Esta forma pública e pesada de
penitência, entretanto, muitas vezes era impossível de cumprir para
muitos, por razões de idade ou saúde.
A Igreja então, por
misericórdia, apelou para o seu Tesouro de Méritos (as orações e obras
de todos seus membros, vivos e mortos), e passou a indulgenciar alguns
atos já por si meritórios. Dentre eles podemos contar, por exemplo, a
oração feita em um cemitério no dia de Finados, a participação na
construção de uma catedral, e muitos outros.
A Indulgência corresponde a um
período de penitência pública. Uma indulgência de cem dias, por exemplo,
referir-se-ia a cem dias de penitência pública. Hoje em dia, por não
haver mais penitências públicas (a não ser em alguns lugares, como as
Filipinas), as pessoas perderam de vista o referencial que era então
usado, e a Igreja passou a classificar as indulgências apenas como
plenárias (remissão total da pena temporal) ou parciais.
Para que uma indulgência possa ser recebida, porém, é necessário que sejam cumpridas algumas condições:
1 - Deve ter sido feito um exame de consciência rigoroso e minucioso, seguido de Confissão e subsequente absolvição sacerdotal, além de assistir a Missa completa e comungar.
2 - A pessoa que faz o ato indulgenciado deve ter absoluto horror aos pecados que cometeu e a firme intenção de não mais cometê-los.
3 - Ela deve ter em mente seu desejo de lucrar a indulgência associada ao ato enquanto o executa.
Dentre as ações indulgenciadas,
havia algumas que podiam ser feitas de maneira indireta (o que foi
proibido no século XVI, por haver uma compreensão errônea da doutrina
por muitos). Um exemplo disso seria a participação financeira na
construção de uma catedral. Ora, para que alguém lucre uma indulgência,
é necessário que antes tenha se confessado. Para lucrar uma
indulgência, portanto, a pessoa já deve ter sido absolvida da pena
eterna de seu pecado, que a levaria ao Inferno.
Indulgências, portanto, nunca poderiam levar para o Céu alguém que por seus atos escolheu o Inferno.
Além disso, há a necessidade de
que a pessoa tenha horror ao pecado cometido e firme intenção de não
mais pecar. As indulgências não podem ser aplicadas aos pecados ainda a
cometer, apenas aos já cometidos, e mesmo assim apenas nas condições
expostas acima.
A indulgência é na verdade muito
menos "indulgente" que a doutrina humana da garantia de salvação dos
crentes independentemente dos pecados posteriores à sua conversão,
pregada por Lutero.
Dificilmente isso poderia ser considerado venda de lugares no Céu!...
Claro que não!
A nossa história começa com uma
congregação que anda muita na moda no meio esotérico de hoje: a Ordo
Templi, a Ordem dos Cavaleiros Templários.
Os
Templários eram uma congregação fundada no período das Cruzadas, com o
fim de libertar a Terra Santa. Tratava-se de uma congregação de
monges-guerreiros, que faziam voto de pobreza e castidade.
Surgiam os estados nacionais; as
nações começaram a ter um governo único para cada nação, ao invés de
centenas de pequenos nobres, cada qual com seu feudo. Nesse tumulto foi
fechada por bula papal a Ordem dos Templários, acusada de crimes
hediondos.
Muitos lucraram com o fim desta congregação , apossando-se de seus bens, que não eram poucos.
Já em Portugal, houve um
estranho fenômeno: surgiu uma outra congregação, chamada a Ordem de
Cristo. Esta congregação reuniu os templários ibéricos e os bens da
congregação.
D. João III, Rei de Portugal,
recebeu em 1522 o título de grão-mestre da Ordem de Cristo, título
hereditário que garantia ao Rei direito de governo religioso. Com isso
D. João estava em condições de apontar bispos e padres, sendo um pequeno
papa em seu território.
Isso era chamado de Padroado.
Devido ao Padroado, a Igreja no
Brasil pouca ligação tinha com a Sé de Roma. Os reis ignoravam o Papa,
apontando bispos de sua preferência para as sés importantes, assumindo a
coordenação de todo o aparato da Igreja. A Igreja no Brasil estava em
mãos do Rei de Portugal.
Uma exceção eram os jesuítas,
congregação fundada por Santo Inácio de Loyola, que não obedece ao
ordinário local, apenas ao Papa. Os jesuítas na América do Sul fizeram
um trabalho maravilhoso, procurando evangelizar os índios, acabando com o
canibalismo, instituindo uma língua franca (o nheengatu, ou Língua
Geral), formando em suma uma nação indígena que os portugueses
respeitariam.
Por irem contra os interesses
portugueses, impedindo a escravização dos índios, acabaram expulsos do
Brasil por ordens do Marques de Pombal em 1759.
Quando falamos de Igreja no
Brasil colonial, portanto, temos os jesuítas, fiéis ao Papa e à Doutrina
da Igreja (que prega serem os índios livres por natureza, não podendo
ser escravizados), e a Igreja sob o Padroado, aquela que não ouvia o
Papa e obedecia ao rei e seus interesses.
Os jesuítas chegaram a fazer uma
república democrática com os índios guaranis, posteriormente dizimados
a mando dos reis ibéricos.
Exemplo do que é e sempre foi a
doutrina da Igreja (não do Rei) pode ser encontrado nas encíclicas de
Leão XIII LIBERTAS (liberdade) e CATHOLICAE ECCLESIAE (Igreja Católica);
a primeira, endereçada aos Bispos do Brasil em 1888, faz um apanhado
de toda a história da luta da Igreja contra a escravidão; a segunda,
endereçada aos missionários africanos, mostra a importância da luta
contra a escravização dos nativos.
Podemos afirmar sem erro que
aqueles no Brasil que apoiavam a escravidão estavam na verdade
levantando-se contra a Sã Doutrina da Igreja Católica e desobedecendo ao
Papa.
Claro que não!
O problema, mais uma vez, é a submissão da Igreja ao Estado que surgiu na medida em que os estados nacionais se organizaram.
Quando, como ocorria na época,
um rei passa a ter poderes sobre a ação da Igreja, sobre quem deve
receber a sucessão dos apóstolos, a Igreja se vê de mãos atadas.
Naquela época o rei estava
estendendo o seu poder muito além do que os reis anteriores haviam
estendido; um interdito papal (proibição de ministério sacramental) não
os teria parado, e provavelmente se isso não houvesse ocorrido a Igreja
não estaria mais aqui.
A Inquisição foi feita por
pessoas da Igreja, no sentido de terem as ordens sacerdotais e até
episcopais, mas isso não quer dizer que ela tenha sido uma ação da
Igreja.
As pessoas hoje, acostumadas com
a separação de Igreja e Estado, tendem a considerar a Inquisição como
uma espécie de prática de natureza religiosa e exclusiva da Igreja.
Ora, a Inquisição existiu tanto entre católicos como entre protestantes.
Todos os horrores da Inquisição
foram perpetrados em nome de Cristo, mas ela não é o triste apanágio do
catolicismo que a imprensa leiga faz crer.
Vejamos o caso da Inquisição da Espanha, por exemplo, que foi a mais virulenta dentre as católicas:
A Espanha havia sido território
mouro (muçulmano) por 800 anos, sofrendo então retomada semelhante à de
Israel pelos judeus após a segunda guerra.
A guerra da reconquista da
Espanha foi enorme; todo o território que ia sendo recuperado aos mouros
estava dividido em vários reinos, que em 1340 acabaram formando apenas
dois: Castilha e Aragão.
Então se casaram Isabel de Castilha, dona de metade da Espanha e Fernando de Aragão, dono da outra metade.
Os dois começaram um programa
para recolocar a Espanha de pé. Desde o tempo dos califas, a maior parte
da administração era composta por judeus, que ocupavam ministérios e
dominavam o mercado financeiro. Entre eles estava o grande sábio Isaac
Abravanel, teólogo, pesquisador da Palavra de Deus, financista brilhante
e antepassado do Silvio Santos.
Os judeus eram preferidos
basicamente porque não eram muçulmanos, mas haviam vivido sob a
dominação muçulmana, sendo pessoas cultas que já sabiam o funcionamento
de um governo civil.
A Igreja na Espanha estava já
naquele momento sob absoluta tutela do Estado, com regime de padroado
(governo apontando bispos, etc.) e o escambau.
Quando já havia um certo número
de jovens nobres espanhóis católicos preparados para assumir as funções
de poder financeiro e legal, um movimento começou entre a nobreza
espanhola para botar os judeus para fora.
Trata-se, portanto, de um
movimento racista surgido entre a nobreza, movida por ganância de poder
material. Era necessário, para eles, criar um sistema de
apadrinhamento, perpetuando assim o seu poder em uma época em que não
mais havia guerras para subir na vida. Eles tinham que passar a dominar
os mecanismos do mercado e da administração pública, tirando-a dos
eficientes judeus e colocando-os em poder de sua panelinha.
Isso foi feito através de leis
civis que impediam o acesso de judeus a cargos de confiança (a rigor,
qualquer cargo na administração pública). Muitos judeus então se
converteram ao cristianismo nominalmente, apenas para poder continuar
trabalhando.
Em 1481 foi apontado Torquemada
como Grande Inquisidor, para descobrir os judeus que se haviam
convertido mas não acreditavam na fé católica e seguiam o judaísmo às
escondidas. É mais que evidente que isso não era causado por desejo de
garantir que alguém fosse para o céu, mas sim por cobiçarem os nobres os
bens materiais e a posição social dos judeus.
A população judaica que seguia a
sua religião sofria com impostos cada vez maiores e outras medidas
civis, mas não era tocada pela Inquisição, que só tem poderes sobre os
batizados.
Como os bens do falso cristão
iriam para a pessoa que o denunciasse, esta foi a forma de ascensão
escolhida por muitos nobres de Espanha.
Até que, simultaneamente à
conquista do reino mouro de Granada, em 1492, foi assinado um decreto
expulsando os judeus da Espanha. Chegava a seu auge a perseguição
iniciada pela gananciosa nobreza espanhola.
Desconfia-se, inclusive, que Cristóvão Colombo teria apressado a sua saída da Espanha por ser um cripto-judeu.
A partir de 1492, a coisa era
simples: o judeu pego na Espanha perderia seus bens e seria expulso. O
judeu convertido seria vigiado para ver se havia sido uma conversão
real.
E o prêmio para o delator ainda estava de pé.
Ou seja: foi um crime? Foi.
Mas não foi um crime da Igreja.
Toda a ação foi movida por ganância de poder da nobreza espanhola, que
devido ao momento histórico tinha virtual controle da Igreja na
Espanha.
Podemos dizer que a nobreza teoricamente católica da Espanha matou milhares de judeus, mas não que a Igreja Católica o fez.
Aviso
ao leitor: Alguns artigos foram escritos em algum momento dos últimos
quinze anos; as referências neles contidas podem estar datadas, e não
garantimos o funcionamento de nenhuma página de internet nele referida.
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