Notas do auto sobre o Post: A APARIÇÃO DA SANTÍSSIMA VIRGEM NA MONTANHA DE LA SALETTE A 19 DE SETEMBRO DE 1846
1 Mélanie tinha então catorze anos e dez meses mas, não sendo nem alta nem forte, parecia não ter mais do que dez. Era por temperamento muito tímida, e seus longos anos de serviços entre estranhos, bem como o pouco carinho que recebia de sua mãe, que jamais a abraçara, não tinham servido para reformar esse defeito de caráter. Mas a piedosa menina, que o Céu já tinha visitado bem antes de 1846, buscava a solidão sobretudo para estar mais unida a Deus. Seu "Amável Irmão" dissera-lhe: "Minha Irmã, fuja do ruído do mundo, ame o retiro e o recolhimento: mantenha seu coração na Cruz e a Cruz em seu coração; que Jesus Cristo seja sua única ocupação. Ame o silêncio e ouvirá a voz do Deus do Céu que lhe falará ao coração; não estabeleça ligações com ninguém e Deus será todo seu."
2 Maximin tinha apenas onze anos e parecia ter no mínimo três anos menos. Jamais tinha trabalhado e havia pedido a seu pai, carpinteiro de carroças em Corps, para substituir, durante oito dias, a um pastor enfermo. Inicialmente o pai não permitira, dizendo que "Mémin", distraído como era, deixaria as vacas caírem nos precipícios; só havia cedido sob a promessa de que haveria sempre alguém a vigiá-lo. "Mémin" era tão ingênuo quanto esperto, indiscreto e traquinas: "Cuida de mim, eu me comporto" - que simplicidade! Mas era a turbulência e o movimento perpétuo; e embora muito inteligente, era tão distraído a ponto de seu pai, em três anos, mal ter conseguido ensinar-lhe o "Pai Nosso" e a "Ave Maria"; seu pai o chamava de "o inocente". Mélanie não falava nem entendia o francês. Maximin também não o falava, mas compreendia algumas palavras.
3 Em vez de ralhar com o estouvado que, com um ágil pontapé, tinha feito rolar montanha abaixo o pedaço de pão, ela não somente reparte o segundo com ele como preocupa-se com a necessidade que ele deveria ter de comer, e não pensa em si mesma. As privações, as penitências que essa frágil menina impunha-se há anos, e que manteve por toda a vida, foram mais que heróicas: foram miraculosas.
4 O dia 19 de setembro, nesse ano, caía na véspera da festa de Nossa Senhora das Sete Dores, da qual a Igreja festejava as primeiras Vésperas na hora mesma da Aparição. O discurso da Santa Virgem, suas vestes, suas lágrimas, o caminho que percorreu, que tem exatamente as sinuosidades do Calvário, tudo estava em relação com essa festa, a fim de que não duvidássemos de que nossas revoltas contra Deus e sua Igreja são as sete espadas que, aos pés da Cruz, transpassaram seu coração.
Nota da Tradução: Nessa época, Nossa Senhora das Dores era celebrada no terceiro domingo de setembro. Na tarde deste sábado de outono começava o ofício da festa. Na hora em que Nossa Senhora apareceu na Salette os monges,
os padres e os religiosos estavam justamente rezando esta parte da oração: Vede em que abandono de lágrimas está
banhado o rosto da Virgem! Vós todos que passais, olhai e dizei-me se existe alguma dor igual à minha! Era assim que o profeta, já no Antigo Testamento, lamentava sua dor, por causa das infidelidades do Povo de Deus (Lam 1,12). (in "Salette, fato e mensagem", Revista dos Missionários Saletinos, ed. Berthier, Passo Fundo.)
5 O estouvado, que passava todo seu tempo em Corps com brincadeiras de crianças, entedia-se como na véspera e pede ainda para brincar. A Pastora, que jamais havia brincado, ensina-o então a fazer um "Paraíso"!...
Maria reuniu essas duas caras crianças, de caráter tão oposto, e a mão de sua providência soube levar "o inocente" para a montanha de maneira tão natural, que o pastor substituído, o qual, no dia seguinte, estará curado e retomará
seu serviço, dirá com uma encantadora ingenuidade: "Tive muito azar! - Como assim? - Fiquei doente: senão eu é que teria visto a Virgem! Mèmin me substituiu... E então, foi justamente durante esses oito dias que ele viu a Santa
Virgem. Ah, meu senhor, sem essa doença eu é que teria visto a Santa Virgem!"
Esse jovem era doce, tranqüilo e piedoso. Mas a Mãe de Deus precisava de um estouvado, como Maximin, que não viu nada na Aparição, e que não percebeu nada.
6 Uma vez que ainda não tratara da Bela Senhora, a preocupação de Mélanie em assinalar essa particularidade denota sua admiração pela bondade da Santa Virgem, que testemunha assim que gostava de sua pequena recreação.
7 O primeiro sentimento de Maximin, que não percebeu que era uma aparição e pensou que Mélanie tinha medo, foi diferente. "Vai, disse ele, pega teu cajado", brandindo o seu como uma ameaça: "se ela nos tocar, eu lhe darei um bom golpe." - A luz já se tinha aberto: Mélanie reconheceu logo a Santa Virgem e foi tomada de temor, quase de pavor ao ver chorar a Santa Virgem, que ela jamais tinha visto senão em sua bem-aventurança.
8 A Santa Virgem fala aqui em nome de Deus, e o Cristo vivo que trazia ao pescoço pronuncia as palavras ao mesmo tempo.
9 Sem a observação do Domingo, não pode haver vida religiosa. Já se vão quinze séculos desde que Tertuliano pronunciava estas palavras aos fiéis de seu tempo: "Sem o Domingo não pode haver cristãos. Non est christianus sine dominica." Observemos também que, entre as perguntas feitas aos mártires por seus perseguidores, distinguia-se sobretudo esta: "Você observa o domingo?", e, uma vez que a resposta afirmativa era o bastante, reconhecia-se nela por assim dizer todo o cristianismo. Mas a Santa Virgem censura seu povo por um segundo crime muito maior ainda que a violação do Domingo, a Blasfêmia. Quando toda boca, não somente não mais reza, mas blasfema; quando um povo inteiro, como a França, não somente se esquece de honrar a Deus, mas o insulta e nega, que castigos não
merecerá? "São as duas coisas que tornam tão pesado o braço de meu Filho"
a Pomme de terre em francês (N.d.T.)
b Pomme em francês (N.d.T.)
c Até aqui a Bela Senhora exprimira-se em francês; continua agora seu discurso no dialeto utilizado pelos pastores. (N.d.T.)
10 Essas ameaças eram condicionais: "Se meu povo não quer submeter-se." O movimento de conversão que se deu depois da Aparição não foi suficiente: a maioria delas realizou-se ao pé da letra.
A Santa Virgem havia dito que as batatinhas continuariam a apodrecer e que no Natal acabariam. Ora, desde o
começo do inverno, os pobres morriam de fome na montanha: não tinham nem mesmo uma batatinha para comer. Aconteceu o mesmo em toda a França e no estrangeiro, mas sobretudo na Irlanda. Todos os jornais de Londres do dia 21 de janeiro de 1847 diziam: "O prejuízo resultante, apenas para a Irlanda, da perda da colheita das batatinhas pode ser avaliado em 12 milhões de libras esterlinas, o equivalente a 300 milhões de francos." (Gazeta do Meio-Dia,
28 de janeiro de 1847.) Essa escassez tendo continuado por vários anos, fez com que a população da ilha diminuísse em 1866-1867, de oito para cinco milhões. Esses três milhões de irlandeses morreram de fome ou emigraram...
Ela tinha dito que o trigo seria comido pelos insetos e viraria poeira. Ora, a praga do "pictã" surge em 1851, e causa na Europa perdas enormes.
Eis o que um correspondente do Universo escrevia sobre essa doença do trigo, número de julho de 1856:
"Abri os alvéolos ou palhas ressecados. Alguns não continham nenhum grão, sem dúvida aqueles que foram atacados primeiro e quando os embriões mal tinham aparecido. Outros continham um grão enfraquecido e ressecado
que nada havia nutrido; eram os que foram atacados mais tarde. Em ambos encontramos, sob a forma de uma poeira
amarela, pequenos vermes que, sem dúvida, produziram todos esses estragos. Qualquer um pode, hoje, constatar o mesmo fenômeno: basta ir ao primeiro campo de trigo, pegar qualquer espiga, abrir as corolas marcadas na raiz por uma mancha negra, e verá pulular os pequenos insetos..."
Ela tinha dito que viria uma grande fome e que os homens fariam penitência através da fome. Ora, em 1854-1855, o trigo era vendido na França a 55 e 60 francos, cada cem quilogramas. De acordo com as estatísticas publicadas pelo
Constitucional e pelo Universo em 1856, a carestia dos alimentos teria ocasionado na França, nos anos de 1854-1855,
a morte de cento e cinquenta e duas mil pessoas; e de mais de um milhão por toda a Europa, segundo outros jornais. E o Universo de 12 de dezembro de 1856 acrescentava: "Sob este eufemismo: Óbitos resultantes da carestia, pode-se ler: Mortes de miséria e de fome... Ignora-se a cifra de 1856, mas a causa não desapareceu..."
Na Espanha o governo compra o trigo por 60 milhões de reais, a fim de evitar a penúria. - Na Polônia, os alimentos estavam tão caros em 1856 que o imperador da Rússia aumenta em um terço o salário dos funcionários.
Ela tinha dito que antes da fome, as crianças pequenas sofreriam um tremor e morreriam nos braços das pessoas que as seguravam. Ora, em 1847, a realização da ameaça começa por uma grande mortalidade das crianças
pequenas no território de Corps. Em 1854, na França, setenta mil crianças com menos de sete anos morreram com a suette. Um frio glacial as tomava, seguido de um tremor que levava à morte depois de duas horas de sofrimentos.
Ela tinha dito que as nozes estragariam. Ora, um relatório datado de 1852 ao ministro do interior constata que a doença das nogueiras tinha acabado com a colheita, no ano anterior, em Lyonnais, em Beaujolais e em Isère e que
isto era uma calamidade para essas regiões, onde a colheita de nozes era uma das principais fontes de renda.
Ela tinha dito que as raízes apodreceriam. Ora, o flagelo ainda continua. Já fazem 60 anos que as raízes apodrecem...
Não basta a realização das ameaças proféticas públicas para que se diga: se a Salette não é um artigo de fé, é um
artigo de boa fé; se a Salette não é um dogma, é uma graça imensa da qual não se aproveitou o bastante? Comentando e meditando o Segredo, linha por linha, veremos que as ameaças proféticas, mais numerosas e bem
mais graves que as do discurso público, realizaram-se plenamente até o dia de hoje. É a luz divina por excelência, pois a profecia só é possível a Deus. É evidente que está acima do poder das criaturas, não apenas dirigir os
acontecimentos futuros, mas ainda prevê-los com certeza, quando suas causas ainda não existem.
A grande Aparição da Salette foi iluminada por todas as luzes. Três anos e alguns meses depois, o senhor abade
Michel Perrin, que servia à peregrinação, atestava mais de duzentos e cinquenta curas obtidas pela invocação de Nossa Senhora da Salette. A fonte, que só "fluía" quando a neve derretia-se ou depois de grandes chuvas, e que, depois, resiste a todas as secas, é um milagre permanente.
Luz divina, os interrogatórios a que submeteram as crianças. Não era milagroso ver-se duas crianças que, na véspera, não falavam o francês, recitar um grande discurso sem compreendê-lo, e explicar-se facilmente nessa língua?
"Os interrogatórios mais sutis não os amedrontavam, as frases mais capciosas não os desconcertavam; escapavam de
todas as armadilhas através de respostas claras e peremptórias. Confrontadas ou separadas, suas disposições harmonizavam-se, completavam-se, corroboravam-se, e isto até sobre detalhes insignificantes. Os teólogos confessaram-se vencidos, os jurisconsultos e os sábios, no início de uma insolência extrema, logo temeram não ser o bastante perspicazes. Depois de um desses interrogatórios, alguém disse a Mélanie:
- Minha filha, não está cansada de repetir tanto as mesmas coisas?
- Não, Senhor.
- Isto entretanto deve aborrecê-la, sobretudo quando lhe são feitas perguntas embaraçosas...
- Senhor, jamais me fizeram perguntas embaraçosas...
Silêncio e espanto! Toda a audiência entreolha-se, e cada um está muito embaraçado por ter se esforçado em vão.
O abade Dupanloup, depois Bispo de Orléans, reconheceu ter sido vencido pelas duas crianças. "Deve-se observar, escreveu a 11 de junho de 1848, que nunca um acusado foi, na justiça, tão inquirido sobre seus crimes como esses
dois pequenos pastores o foram durante dois anos sobre a aparição que relatam. Às dificuldades muitas vezes
preparadas com antecipação, e com freqüência longa e insidiosamente meditadas, sempre colocaram respostas prontas, breves, claras, precisas, peremptórias. Percebe-se que seriam radicalmente incapazes de tanta presença de espírito se não falassem a verdade. Eles foram levados, como se faria com malfeitores, ao próprio lugar, ou de sua revelação ou de sua impostura; nem as personagens mais graves nem as mais distintas desconcertaram-nos, nem as ameaças e as injúrias amedrontaram-nos, nem as carícias e a doçura dobraram-nos, nem os mais longos interrogatórios fatigaram-nos, nem a freqüente repetição de todas essas provas fez com que caíssem em contradição, seja cada um consigo mesmo, seja um com o outro."
Essa assistência sobrenatural durou por toda a sua vida.
Um sábio professor de teologia e um amigo, pároco em uma grande cidade, vieram a La Salette, com uma dúzia de objeções preparadas e estudadas com antecipação, para colocá-las a Maximin, quando este deixava sua choupana para vir, a pedido dos peregrinos (que o preferiam aos Missionários), fazer a narrativa do milagre. Quando Maximin acabou sua exposição, o professor propos a primeira objeção. Maximin limitou-se a dizer: "Diga a segunda"; o mesmo aconteceu depois da 2ª, da 3ª, da 4ª e da 5ª objeção; Maximin respondeu então em algumas palavras; resolveu as cinco objeções, e sua resposta incluiu sete outras objeções. Vendo isto, o professor e o pároco nos disseram, pois estávamos ao seu lado: "Este rapaz permanece em sua missão; está assistido pela Santa Virgem tanto hoje como nos primeiros dias; é evidente para nós. Nenhum teólogo, mesmo o mais sábio do mundo, poderia fazer melhor em tal tour de force. Tudo isto é certamente sobre-humano. Ele nos provou o milagre melhor do que poderiam fazer as mais fortes demonstrações." AMÉDÉE NICOLAS.
Todos esses sinais divinos não são por assim dizer nada em comparação com as maravilhas das graças operadas nas almas. Converter os pecadores, conduzi-los a Jesus, tal é o objetivo da aparição da Salette, e tal foi seu efeito em
todos os lugares em que foi aceita. Não é miraculoso ver a conversão, por ocasião da narrativa dos pastores, de
multidões que os procuravam com prevenção e freqüentemente com desprezo? Desde o primeiro ano, o território de Corps foi inteiramente renovado. Não apenas as blasfêmias deixaram de ser escutadas, não apenas as pessoas deixaram de trabalhar aos domingos, mas todos freqüentavam as igrejas e, desde 1847, quase todos comungavam pela Páscoa. Assim, em Corps, em uma população de 1.800 habitantes, não há mais do que trinta pessoas que negligenciam esse importante dever.
Mas por que estendermo-nos sobre esses sinais divinos, quando podemos alegar uma autoridade superior: a da
Santa Igreja. Se a Salette não é um artigo de fé, é um artigo de boa fé; se não é um dogma, é uma graça da qual não se aproveitou o bastante.
Nota da tradução: A 9 de outubro de 1846, o Bispo de Grenoble, Dom Felisberto de Bruillard, a quem cabia pronunciar-se sobre a aparição, tendo estabelecido uma comissão constituída intencionalmente de partidários e de opositores da sua veracidade, publica uma carta interditando a seus sacerdotes de falar do evento enquanto ele mesmo não tivesse editado seu julgamento, "depois de um exame que deverá ser tanto exato quanto severo." É a essa comissão que o comentador refere-se acima. A 19 de setembro de 1851, o Bispo de Grenoble finalmente publica seu "Mandamento Doutrinal". Eis a passagem principal: "Nós julgamos que a aparição da Santa Virgem a dois pastores, a 19 de setembro de 1846, sobre uma montanha da cadeia dos Alpes, situada na Paróquia de La Salette, no arciprestado de Corps, traz em si mesma todos os caracteres da verdade, e que os fiéis têm fundamento para crer nela como indubitável e certa." A 1º de maio de 1852 ele publica novo mandamento, anunciando a construção de um santuário sobre a montanha de La Salette, e a criação de um grupo de missionários diocesanos ao qual dá o nome de "Missionários de Nossa Senhora da Salette". E acrescenta: "A Santa Virgem apareceu em La Salette para o mundo inteiro, quem pode duvidar disso?" A 19 de setembro de 1855, Dom Ginoulhiac, novo Bispo de Grenoble, assim resumia a situação: "A missão dos pastores chegou ao fim, a da Igreja começa." (conf. publicação comemorativa dos
150º aniversário da Aparição de Nossa Senhora da Salette, ed. du signe, Strasbourg, 1994.)
11 Prazo admirável! A Santa Virgem queria que Mélanie retivesse seu Segredo até sua aparição em Lourdes, a 11 de fevereiro de 1858! É espantoso que ninguém pareça ter observado isso. (Nota de Léon Bloy)
d Ev.: Palavra assim abreviada no texto francês. (N.d.T.)
12 A Virgem puríssima utiliza-se de uma expressão enérgica, para fazer entender que, em um único exemplo de intemperança, quer assinalar as chagas hediondas do sensualismo. Não podendo descobrir essas chagas aos olhos das crianças, no-las aponta suficientemente, pois não apenas na língua da Sagrada Escritura, mas em todas as línguas, a palavra "cães" designa os pecadores que não se envergonham de seus vícios.
13 Coin é o nome de um lugar situado a alguma distância de Corps.
14 A Santa Virgem mostra a importância que dá a seu ensinamento. Ela veio, com efeito, conduzir-nos à observação "in spiritu et veritate" da Lei de Deus. Conseguiu resumir tão bem, em seu discurso, os ensinamentos de seu Filho, que é impossível falar de uma forma útil aos cristãos, aos religiosos e eclesiásticos de nossos dias sem repetir, quer se queira ou não, o que Ela disse. Além disso, depois de ter começado como seu Filho: "poenitemini" (Mc 1,15) - "Se meu povo não quer submeter-se", ela termina como Ele: "Docete omnes gentes" (Mt 28,19) - "Vocês transmitirão isto a todo o meu povo." Estas últimas palavras, Ela as repete. Um soberano não repete uma ordem que acaba de dar; mas Ela quis mostrar a seus filhos que, da primeira vez, referia-se à parte de seu discurso destinada a ser divulgada imediatamente, e, da segunda vez, aos segredos.
15 Maximin: "Nós vimos apenas um globo de fogo elevar-se e penetrar no firmamento. - Em nossa língua simples, chamamos esse globo de segundo sol. Nossos olhos ficaram durante muito tempo pousados sobre o lugar onde o globo luminoso tinha desaparecido. Não posso descrever aqui o êxtase em que nos encontrávamos. Falo apenas por mim: sei muito bem que todo meu ser estava aniquilado, que todo o sistema orgânico estava paralisado em minha pessoa. Quando voltamos a nós mesmos, Mélanie e eu nos olhamos sem poder pronunciar uma só palavra, ora levantando os olhos para o céu, ora os pousando em nossos pés, ora interrogando com o olhar tudo o que nos cercava. Parecíamos procurar a personagem resplandecente que nunca mais revi."
16 Eis uma passagem que certamente deve ter parecido bem insignificante para um bom número de leitores. Mélanie toma a Bela Senhora pelo "bom Deus de seu pai"! Que estilo! Que idéia singular transcrever-nos de tal forma, em plena narrativa oficial do Grande Acontecimento, essa observação infantil, para não dizer mesquinha! Foi para alegrar a narrativa pela réplica excessivamente terra-a-terra de Maximin que, por hábito, tinha réplicas mais originais? Verdadeiramente essa pequena linha é muito significativa...
Para aqueles que tiveram a felicidade de conhecer pessoalmente a piedosa narradora, essa linha anódina é uma das mais encantadoras do relato. Ela a faz reviver para eles; recorda-lhes uma das delicadezas desse caráter tão
admirável em realidade quanto ávido de sombra e esquecimento.
"Mémin, deve ser o bom Deus de meu pai." Esta frase não lhes parece não só insignificante, mas também um pouco chocante, se lembrarem dessa alusão que já tivemos a ocasião de fazer às inúmeras aparições celestes de que tinha sido favorecida a pequena infância de Mélanie? Quê? Há uma dezena de anos ela vivia na familiaridade quase constante com Aquela que chamava de Mãe, e, nesse dia 19 de setembro, não a reconhecia? Ela se engana tão grosseiramente? Ela a toma pelo "bom Deus de seu pai"? De quem zomba aqui? Não é mais uma afronta do que uma frase "insignificante"?...
E a nós que tivemos a alegria de conhecer Mélanie de perto, essa frase que ela recorda haver dito a Maximin nos enche de alegria! Nós a vemos, naquele dia, tal como sempre a conhecemos.
Ela não zombava, é certo, de Maximin, assim como não zombava de mim, por exemplo, já no final de sua vida, deixando-me acreditar que era por desatenção, indiferença, preguiça ou originalidade que chegava com atraso,
ou mesmo nem chegava à Igreja na hora habitual, um ou dois dias por semana. Eu jamais teria conhecido esse mistério se, um dia em que ocorrera tal ausência, não tivesse entrado em sua casa de maneira imprevista, sem que ela
tivesse tempo de esconder uma prova material de seus estigmas sangrentos. Abusei de minha pretensa autoridade. Ela teve que se explicar. E, quase à força, pressionada por minhas perguntas, confessou-me que Nosso Senhor,
crucificado, aparecia-lhe, associando-a aos sofrimentos de sua Paixão... E tudo o que se soube dela, um dia, foi por semelhantes meios, como que surpreendendo-a...
Oh, que humildade tão bela a dessa alma formada pelo "Amável Irmão"! Foi Ele mesmo quem ensinara a essa alma, com o "Sacramentum Regis", a difícil arte de "ocultar o segredo do Rei"! Essas efusões de intimidades
divinas, era preciso escondê-las a todo olhar estranho... e poder-se-ia dizer que todo o trabalho de sua vida exterior consistia em ocultá-las. Uma alma que está em relações quase ininterruptas com o mundo sobrenatural e que não
deve deixar ninguém perceber isto! Uma alma que freqüenta a escola Daquele que tudo sabe, e que tudo deve ignorar!... Tinha encontrado um bom meio; colocava-se, como por instinto, ao nível daqueles com quem falava.
Fui testemunha, a esse respeito, de coisas verdadeiramente espantosas, e talvez ainda chegue o dia de narrá-las... A 19 de setembro ela era uma criança, e falava a Maximin como teria falado a uma criança. Isto lhe
era tão natural que não percebe mesmo que praticava a mais bela das virtudes; e, simplesmente, sem vacilar, ela a pratica, ela a tudo perfuma, mesmo em público: pois quando se publica um relato como o seu, está-se em meio à
multidão! Mas que lhe importa? Ela não pensa nisso! E escreve essa frase "insignificante": "Deve ser o bom Deus de meu pai"!...
À noite deste grande dia, sua senhora a encontrará na estrebaria desfeita em lágrimas. Essas lágrimas que tinha retido perante Maximin, bem saberá contê-las ainda, ao perceber que não está sozinha. Só deve chorar em
segredo por essas coisas de que parece ser a mensageira inconsciente, mas que compreende muito bem... Que importa aos outros se verte lágrimas ou não? Serão mencionadas, nada mais; ninguém pensa em perguntar: Por quê?
Esquivou-se de todas as curiosidades com sua frase infantil sobre "o bom Deus de seu pai".
Não me exprimi bem, há pouco, quando disse que Mélanie colocava-se no nível de seu meio. Poder-se-ia ver nessas palavras algo como uma condescendência orgulhosa que a levava, não sem um certo desdém, a inclinar-se...
Não, não era ela que se colocava nesse nível. Ela só tinha que se deixar conduzir: era o "Amável Irmão" que tudo
fazia.
Entre suas mãos, a alma humilde tinha apenas que estar disponível: Mélanie simplesmente estava disponível. E isto era verdadeiramente tão simples que ninguém pensava em se espantar. Nosso Senhor age assim com as almas que para Ele não passam de belas flores em seu "Jardim oculto". A Pastora desaparece bastante nesse longo relato, no qual, entretanto, está perpetuamente em cena!...
Chegará a hora, que espero com impaciência, de erguer todos esses véus. "Opera Dei revelare honorificum est". Que nos baste, por enquanto, admirar, sem tentar compreender, todas essas precauções divinas. Nosso Senhor amava tanto essa alma que a queria para Si e somente para Si. E ela, como submetia-se, dócil e simples, a todas as exigências do Amigo celeste! Observemos Mélanie dois anos depois da Aparição: os escritores apressadamente nos disseram que até a idade de 17 anos e apesar dos cuidados das Religiosas de Corps, ela não pode ser suficientemente instruída para fazer a primeira comunhão, e não pode aprender o alfabeto (a). Encontraram aí uma fácil ocasião para um erudito comentário ao texto: "Quae stulta sunt mundi elegit Deus ut confundat sapientes." É duro entretanto para uma jovem passar por tola a tal ponto! Receber as lições do grande doutor da Eterna Sabedoria em pessoa, ter sido formada nessa escola, e não poder, perante o júri da primeira comunhão, recitar a letra do catecismo!... Não se observou que, de um só golpe, sem que ela mesma se desse conta disso, estava tão instruída quanto suas companheiras... Sua idade de 17 anos explica tudo: é absolutamente natural com efeito que uma jovem de 17 anos, profundamente ignorante na véspera, saiba ler no dia seguinte! Ninguém ficou surpreso; e pode-se ver enfim essa criança, com o espírito fechado durante tanto tempo, tomar lugar nas fileiras dos pequenos comungantes de onze anos. Toda a paróquia de Corps estava convencida de que comungava pela primeira vez... Como o "Amável Irmão" ocultava bem seus segredos! Não, a "Pequena Irmã" não se colocava ao nível de seu próprio meio; era Ele quem a colocava, por amor, por "prudência", bem abaixo de seu nível.
(a) A fim de que aprendesse a ler, elas não lhe ensinaram oralmente a letra do catecismo: "Quando souber ler, disseram-lhe, aprenderá em seu próprio livro e fará sua primeira comunhão."
e Maire: chefe do corpo municipal. (N.d.T.)
17 Maximin: "Quando devo falar da Bela Senhora que me apareceu sobre a Santa Montanha, experimento o mesmo embaraço que devia sentir São Paulo ao descer do terceiro céu. Não, o olho do homem jamais viu, seu ouvido jamais ouviu o que me foi dado ver e ouvir.
"Como é que crianças ignorantes, chamadas a explicar coisas tão extraordinárias, poderiam encontrar uma justeza de expressão que os espíritos de elite nem sempre encontram para descrever objetos vulgares? Que ninguém se espante
então se o que nós chamamos de touca, coroa, lenço de pescoço, correntes, rosas, avental, vestido, meias, fivela e
sapatos, mal tinham essa forma. Em seus belos trajes, não havia nada de terrestre; somente os raios e as diferentes nuances entrecruzando-se, produziam um magnífico conjunto que nós diminuímos e materializamos.
"Uma expressão só tem valor pela idéia que traduz; mas onde encontrar, em nossa língua, expressões para falar de coisas das quais o homem não tem nenhuma idéia? Era uma luz, mas luz bem diferente de todas as outras; ia
diretamente a meu coração sem passar por meus órgãos e entretanto com uma harmonia que os mais belos concertos não poderiam reproduzir. Que digo? Com um sabor que os mais doces licores não poderiam ter.
"Não sei que comparações empregar, porque as comparações tomadas ao mundo sensível têm o mesmo defeito que aponto nas palavras de nossa língua; não oferecem ao espírito a idéia que quero exprimir. Quando, vendo os fogos de
artifício, a multidão exclama: "Vejam que buquê", há uma semelhança muito grande entre uma reunião de flores e um grupo de foguetes que estouram? Não, certamente; pois bem, a distância que separa as comparações que utilizo e as
idéias que quero exprimir é ainda infinitamente maior."
18 A Santa Virgem não permitiu que o pequeno pastor visse seus olhos. Ele não pode vê-la chorar: não sabia o que eram aquelas centelhas de luz que desapareciam nos joelhos da Bela Senhora. Ela não permitiu sequer que ele contemplasse sua face: "Não pude ver sua figura que resplandecia."
19 "Amém, que assim seja!" Imenso sofrimento e sempre o abandono à vontade divina... Como a santa criança descreve-se admiravelmente nesse brado impessoal que é de uma sublime simplicidade! O conhecimento que Deus lhe dava dos pecados que existem sobre a terra, o "odor" do pecado é o único sofrimento de que se lamenta... Para expiá-lo, ela chorará tanto que ficará cega durante sua estada em Darlington. Recuperou a visão por um milagre, mas suas lágrimas não deixaram de rolar, e sua vida tornou-se muito frágil.
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